. . Entrevista: Há muitas coisas a serem resolvidas no curto prazo

Política e economia andam de mãos dadas. A tensão política de um lado não reverbera apenas entre os mandatários do poder. Por outro lado, os problemas econômicos e sobretudo seus efeitos não ficam restritos a quem analisa dados ou sente as consequências no bolso. Considerando o cenário como um todo, a avaliação do economista-chefe da Geral Asset, Denilson Alencastro, é de que o Brasil tem muito para resolver em um prazo curto.

Ele foi entrevistado sobre o tema pelo Jornal do comércio para a sessão Com a Palavra do Caderno Empresas e Negócios (E&N).  A entrevista, realizada pelo jornalista Guilherme Jacques, é reproduzida abaixo.

Empresas & Negócios – Até que ponto a instabilidade política tem afetado o interesse de investidores estrangeiros pelo Brasil?
 
Denilson Alencastro – Eu vejo que afeta bastante. Na medida em que o investidor estrangeiro não sente segurança, muitas vezes, política e jurídica ou sente que as regras do jogo podem mudar, ele percebe, obviamente, um risco superior em relação a pares comparáveis. Claro que o Brasil tem um mercado consumidor grande e uma economia forte. Então, ele acaba relevando isso, mas exige um prêmio. E esse prêmio tem um preço, como a taxa de juros mais alta para tomar dinheiro emprestado, o que não é positivo na medida em que isso deixa de ir para atividade produtiva. Então, essas instabilidades que a gente acompanha afetam o humor de quem quer investir aqui.
 
E&N – No cenário nacional, de que forma a ingerência política sobre estatais de capital aberto tem influenciado o mercado?
 
Alencastro – Há uma tensão que nós temos acompanhado nos últimos anos e tem ficado mais evidente agora. Embora o governo tenha avançado bastante, na reforma trabalhista, na reforma da previdência e, agora, tem a tributária e a administrativa, que deveriam ser o foco maior, a gente acaba desviando bastante destes assuntos por alguns devaneios. As próprias decisões de política econômica do governo atual vêm mostrando essa tensão. Também as declarações do presidente Jair Bolsonaro, sempre em um tom mais bélico, não têm colaborado. São inúmeras declarações, com ameaças de punições ou retaliações, que não somam e fazem com que a gente acabe não focando em arrumar a casa.
 
E&N – A despeito das atitudes do presidente, o mercado mantinha boa relação com o ministro Paulo Guedes, mas isso parece estar mudando. Qual a consequência caso ele saia do governo?
 
Alencastro – É interessante que o próprio Bolsonaro vive um conflito interno, no sentido de que o viés dele não é de uma política mais liberal na economia. Ele era um sujeito que votava, muitas vezes, contrário ao que temos acompanhado na sua política econômica. Então, é óbvio que, para o ano que vem, ele quer mais gastos públicos, porque isso faz aumentar a popularidade e acaba gerando vantagem eleitoral, só que o dinheiro tem que vir de algum lugar. Na medida em que isso vai acontecendo, o mercado começa a questionar a sustentabilidade das contas públicas e a regra do teto de gastos, que foi instituída em 2016. E isso acaba gerando mais desconforto, porque o mercado deu um voto de confiança para um discurso como “olha, eu não tenho todos os recursos agora, mas eu vou ajustar a minha casa aqui e vamos conseguir pagar as nossas contas”. Tudo isso aumenta a desconfiança. Então, vejo que não seria bom esse desembarque, mas cabe ao governo dar mostras de que vai manter o que foi prometido.
 
E&N – A inflação, a crise hídrica, os combustíveis, tudo isso tem pressionado o custo de vida. Qual a perspectiva para o final deste ano e 2022?
 
Alencastro – Hoje, se a gente pegar o relatório Focus do Banco Central, para esse ano, temos uma inflação estimada pelo IPCA de 7,58% e do Índice Geral de Preços – Mercado (IGPM) de 19,31%. No final do ano passado, a previsão era de que o IPCA fosse de 3,32% no acumulado e o IGPM fosse de 4,58%. E, para o ano que vem, ainda de acordo com o Focus, há uma estimativa de 3,98% para o IPCA e de 5% para o IGPM. O que isso significa? A incerteza é muito grande, tanto que, neste ano, mudaram muito as estimativas e se pegarmos o Focus ou a base de qualquer departamento de economia, ninguém estimava esses choques que estamos vendo agora. E o Brasil tem uma particularidade, que é uma indexação tanto formal quanto informal dos preços, que acaba fazendo a inflação se retroalimentar ao longo do tempo. Claro que não é a mesma coisa da inflação lá nos anos 1980, 1990, que era de 4000%, mas preocupa, na medida em que é um conflito distributivo de renda e nunca ninguém quer perder fatia do que está sendo gerado.
 
E&N – Havia uma expectativa pela alta das commodities e a esperança do efeito que isso poderia trazer à economia e ao câmbio. Porém, já fala-se que esse boom pode murchar com a variante delta do coronavírus. Qual sua análise?
 
Alencastro – Essa questão sanitária ainda é muito incerta, mas tem-se que observar que esse boom das commodities também foi resultado de uma escassez de produtos e de toda a logística para entregar estes produtos. A cadeia produtiva foi, muitas vezes, interrompida. Isso levou ao aumento das commodities e beneficiou o Brasil, mas ainda não se refletiu em uma pujança como vimos no início dos anos 2000, que acabou sendo mais positiva e melhorando os termos de troca, aumentando de preços dos nossos produtos em relação ao preço dos produtos que a gente importava Naquela ocasião, a China entrou com tudo, ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC) e foi muito forte, influenciou o câmbio e ficou em torno de dois por um (dólar), até menos, 1,30 para um. Esse crescimento, agora, tende a ser um pouco menor, em uma faixa de 5% a 6%. Antes, ficava em torno de 8%, 9%. Então, talvez não consigamos colher tudo isso e trazer mais recursos, mas porque estamos envolvidos em outras situações aqui também. Nossa crise política e institucional acaba influenciando, mostrando um risco maior.
 
E&N – Qual sua expectativa para o dólar até o fim deste ano?
 
Alencastro – Para os próximos períodos, a estimativa do Focus, hoje, dá conta de R$ 5,15. Eu penso que tende a ficar nestes patamares próximos a R$ 5. Ainda com muita volatilidade, ou seja, a qualquer momento e rapidamente pode mudar. Isso por causa de todo o cenário, inclusive para 2022, ano eleitoral.
 
E&N – Com a alta da Selic, pode haver uma fuga para a poupança?
 
Alencastro – Com certeza. As pessoas podem acabar migrando para a renda fixa e reduzindo aquele forte aumento de pessoas físicas investindo na Bolsa e no mercado acionário. Mas penso que seria apenas uma diminuição no ritmo, na medida em que o investidor vai diversificando as aplicações e aumentando a concentração em renda fixa por causa dessa percepção de risco. Isso porque, por outro lado, o brasileiro está entendendo um pouco mais como funciona o mercado. Temos vários influenciadores, os próprios bancos buscando esclarecer mais, muitos gestores independentes surgiram nos últimos anos, mais empresas estão indo ao mercado de capital e as pessoas buscando mais esclarecimentos sobre isso, entendendo como funciona. Claro, não na sua totalidade, porque há muitas empresas e muitos tipos de investimentos, mas as pessoas estão saindo mais do tradicional já que há mais conhecimento e informações do que se tinha anteriormente.



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