. . Bolsa recorde e juros na mínima

Carta do Gestor

O ano de 2019 continuou positivo para o mercado financeiro nas principais partes do mundo e no Brasil. A volatilidade no mercado continuou elevada em função de questões externas e internas.

Externamente, os principais impactos vieram das notícias envolvendo a guerra comercial entre Estados Unidos e China, das estimativas da desaceleração econômica mundial, das crises políticas e econômicas em diversos países da América Latina (impactando a percepção sobre o Brasil), da manutenção dos juros baixos e da liquidez internacional elevada.

Internamente, o ambiente foi influenciado pela taxa de juros caindo e alcançando o valor mais baixo da série histórica, de 4,5% ao ano, ante 6,5% da meta Selic em 2018 (ver gráfico 1). Vale ressaltar que é o terceiro ano consecutivo que a taxa básica de juros brasileira fecha em um dígito.

Porém, isso ainda não gerou os investimentos na atividade real como é esperado, apesar das expectativas de impacto para os próximos anos. Esse movimento tende a fazer com que os agentes financeiros no Brasil mudem a mentalidade e o mercado privado de títulos seja viabilizado, sobretudo o mercado de capitais.

Ademais, o governo adotou uma política econômica mais liberal e avançou em reformas econômicas. Isso aumentou a confiança em uma recuperação mais rápida da atividade econômica, algo que ainda não aconteceu conforme o desejado pela população brasileira, como pode ser visto no desemprego, que segue elevado, entre 11% e 12%.

Gráfico 1 – Taxa Selic (%)

Fonte: Banco Central

Nesse contexto, há diferença entre o que se observou na atividade real e no mundo das expectativas do mercado financeiro. Isto deriva de uma maior precificação dos ativos financeiros pela baixa taxa de juros atual em comparação com as projeções em nível mais baixo que se faziam no passado. Assim, vale analisar o último trimestre de 2019 (4T19). O Ibovespa (“termômetro” da bolsa brasileira) subiu 2,4% outubro em relação a setembro, 0,95% em novembro na mesma comparação mensal, e 6,85% em dezembro/19 (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Ibovespa (variação % mensal)

Fonte: IPEADATA

Dessa forma, nesse ambiente, o quarto trimestre desse ano foi de bastante volatilidade e de sucessivos recordes. No dia 26 dezembro o Ibovespa bateu o recorde de pontuação no fechamento, 117.203 pontos (ver gráfico 3), significando valorização de 10,41% no 4T19 e de 31,58% em 2019 (ver tabela 1). Contudo, vale lembrar que no dia 08 de outubro o índice chegou a bater a casa dos 99 mil pontos. Após isso, seguiu a trajetória de forte elevação, deixando o mercado “eufórico”, inclusive com as agências de rating sinalizando que o Brasil poderá voltar ao patamar de grau de investimento no médio prazo.

Investidor local tem sustentado alta do índice

Apesar desses movimentos, ainda não se percebe o investidor estrangeiro retornando com força para o mercado secundário de bolsa. Tanto que a saída líquida no mercado secundário foi de mais de R$ 41,81 bilhões em 2019. Isto é, o saldo negativo também é recorde em 2019, e bem mais elevado do que o registrado durante a crise do subprime nos Estados Unidos em 2008, que foi negativo em R$ 24,6 bilhões. Mas vale ressaltar que foi registrada entrada dos estrangeiros no mercado primário (IPO e Follow-on) da bolsa brasileira (B3). O saldo no mercado primário foi positivo em R$ 27,07 bilhões em 2019 (dados coletados até novembro/19).

O que sustentou a alta da bolsa local em 2019 foram os investidores domésticos, institucionais ou pessoas físicas, impulsionados pela baixa taxa básica de juros. A Selic em queda ao longo do ano, acarretou em aumento do apetite por mais retorno nas aplicações, mesmo que isso significasse mais risco e menos liquidez.

Gráfico 3 – Ibovespa diário (em pontos)

Fonte: IPEADATA

Desse modo, voltando ao mercado secundário, na tabela 1, observou-se que o Ibovespa teve valorização de 10,41% no 4T19 e acumulou em 2019 alta de 31,58%, bem acima do CDI, que foi de 5,94% no mesmo intervalo de tempo. Ou seja, com a queda taxa Selic e podendo cair mais, o incentivo para investir em renda variável aumentou de forma considerável. Pode se visualizar isso pelos diversos índices da bolsa brasileira. Na tabela 1, verifica-se que os indicadores das empresas dos setores imobiliário (IMOB), de utilities (UTIL)  e de consumo (ICON) foram destaques em 2019, subindo 70,6%, 56,9% e 55,3%, respectivamente.

Tabela 1 – Ibovespa comparado aos outros índices da B3

Destaque também nos índices amplos, para o Índice Small Caps (SMALL), das empresas de menor liquidez e de segunda linha, que registrou alta de 58,2% no período. Esse movimento é reflexo da busca pelo investidor por empresas que estejam “atrasadas” ou que tenham maior potencial de valorização, caso a economia brasileira cresça acima do que estamos observando atualmente.

Em suma, verificou-se que a “euforia” com a bolsa local foi generalizada no ano passado em função da queda dos juros e da expectativa de retomada econômica no cenário interno, além de “animação” similar nas bolsas internacionais, dado a expectativa de manutenção dos juros baixos no exterior por mais tempo do que o projetado recentemente.

Então, quanto ao mercado financeiro internacional, destaque para a alta dos principais índices de bolsa mundiais selecionados, que também têm sido influenciados pela guerra comercial, pela perspectiva de desaceleração da economia mundial e pela mudança em relação à política monetária, onde os bancos centrais têm reduzido as taxas de juros e ampliado a liquidez. Nesse sentido, pode-se destacar o Federal Reserve (FED, Banco Central dos Estados Unidos), que reduziu a taxa de juros nesse ano para o intervalo entre 1,5% e 1,75% a.a. e sinalizou que irá mantê-la nos próximos meses (ver gráfico 4).

Gráfico 4 – Taxa de juros dos EUA

Fonte: Bank for International Settlements (BIS)

Nesse contexto, na tabela 2, é possível observar a valorização dos índices de bolsas internacionais em 2019, após forte queda em 2018.  As bolsas americanas subiram mais de 20% nesse último ano, a NASDAQ 35,2% (também batendo recorde). As bolsas do Japão (18,2%), da Alemanha (25,5%) e da China (35,9%) também apresentaram alta expressiva em 2019.

Nova bolha para assombrar?

Tabela 2- Variação percentual de índices de bolsas de valores selecionadas – 2018/2019

Conforme esses números, a pergunta que fica é: será que estamos diante de uma nova bolha financeira mundial, com supervalorização dos ativos financeiros, derivada de juros muito baixos ou negativos e expansão da liquidez, e que gerou alto endividamento público e privado após a grande crise de 2008? Poderia se dizer que sim. Mas quando a bolha financeira irá estourar? Não se sabe.

O período de crescimento da economia norte-americana é o mais duradouro da história, significando para muitos analistas que o ciclo econômico estaria mais próximo do seu final, dado que a manutenção só tem sido possível, na visão desses mesmos pesquisadores, pelos juros baixos e alta liquidez. O que é possível ver na trajetória dos juros norte-americanos no gráfico 4.

Acredita-se, de um lado, que em parte existem sinais de bolha. Por outro, a economia está baseada cada vez mais em serviços e em novas tecnologias, o que tem transformado suas características de sobremaneira, justificando a “euforia” atual. Como dito: não tem como saber. O importante é seguir acompanhando o cenário e buscar orientar os agentes econômicos e investidores nesse ambiente de incerteza, para que eles se adaptem da melhor forma possível às mudanças apresentadas no ambiente econômico.

E o caso brasileiro, é de bolha financeira no mercado de capitais? Ou estamos diante de uma transformação no mercado financeiro do país, em função das Fintechs? Ou a transformação se dá pelo novo patamar da taxa de juros, referido anteriormente, e pelas reformas econômicas adotadas, especialmente, pelo Ministério da Economia e pelo Banco Central, que priorizam uma política econômica liberal, e que tem “animado” o mercado? Inclusive o risco-país tem batido níveis bastante baixos, similares aos momentos em que o país estava no caminho do grau de investimento ou já tinha o “selo de qualidade” (ver gráfico 5).

Gráfico 5 – EMBI + Risco-Brasil (em pontos)

Fonte: IPEADATA

Nesse ambiente de taxa de juros na mínima histórica, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), o mercado de capitais doméstico, até novembro, registrou captação de R$ 346,2 bilhões em 2019, número 55,6% superior ao volume registrado no mesmo período do ano passado, de R$ 222,5 bilhões (ver no gráfico 6). Entre os papéis de captação, as debêntures foram os principais utilizados nas emissões, com 44,3% de participação.

Será a “morte” do CDI?

Em segundo, ficaram as ofertas subsequentes de ações (follow-ons), com 19,7% do total captado. Entre os subscritores, a maior parte ficou com os investidores institucionais, formados por fundos de investimentos e investidores estrangeiros. Os investidores institucionais ficaram com 92,5% das ofertas públicas de ações, 57,6% das debêntures e 95,7% das letras financeiras. As pessoas físicas ficaram com a maior parte das colocações dos Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs) e dos Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs), com 52,8% e 78,9%, respectivamente.

Também vale destacar que houve mudança no perfil dos indexadores dos títulos nesse ano. Nas debêntures, o percentual do DI que predominava em 2018, com 48,3% das emissões, passou para 26,7% em 2019. Na mesma comparação, o percentual remunerado pelo DI + Spread passaram de 33,6% no passado para 53% nesse ano. E os papéis atrelados ao IPCA foram de 13,5% para 19,4% no mesmo período de comparação. Então, será a “morte” do CDI? Acredita-se que não. A diminuição da sua utilização como indexador, sim.

Gráfico 6 – Emissões Domésticas – Renda Fixa, Renda Variável e Híbridos
Volume (R$ milhões)

Fonte: ANBIMA

Com a baixa dos juros, investidor tem optado por mais renda variável

Segundo os dados da ANBIMA até novembro, viu-se que a indústria de fundos de investimentos teve captação líquida negativa de R$ 3,9 bilhões no mês e acumulou entrada de R$ 228,1 bilhões em 2019, representando uma expansão de 230% em relação ao mesmo período de 2018. A classe ações teve a maior captação nesse, com entrada líquida de R$ 67,6 bilhões. O segundo lugar ficou com os multimercados, com entrada líquida de R$ 57,4 bilhões em 2019. Do lado negativo, observou-se resgate líquido de R$ 3,9 bilhões na classe de renda fixa. O que se justifica pela taxa de juros em 4,5% ao ano e podendo recuar mais em 2020.

Gráfico 7 – Captação líquida dos Fundos de Investimento em 2019 (R$ milhões)

Fonte: ANBIMA

Em resumo, em razão da queda da taxa básica de juros e a busca dos investidores institucionais e pessoas físicas por ativos com rentabilidade superior ao CDI, faz com que o mercado de capitais ganhe destaque tanto no primário quanto no secundário, modificando o perfil de crédito, de risco, de liquidez e de prazo, das operações no mercado financeiro nacional. Isso faz com as companhias tenham outras fontes de obtenção de recursos, fazendo com que as empresas captem dinheiro com custo menor.

Acredita-se, nesse sentido, que muitas empresas ainda possam utilizar esses instrumentos para obter dinheiro com juros menores. Isto é, ainda existe um potencial considerável de empresas que tendem a entrar no mercado de capitais para tomar recursos, o que tende a ser bastante positivo para o futuro da economia brasileira.

Claro que isso tudo está condicionado ao recuo da taxa da de juros de forma estrutural e não somente a queda da taxa de juros de forma conjuntural. Para que isso aconteça, segundo a visão do mercado, é necessário que as reformas econômicas consigam manter o ajuste das contas públicas de forma a elevar a confiança dos agentes, aumentando os investimentos e o consumo na economia brasileira.

Assim, por fim, nessa carta especial de janeiro/2020, vale mostrar como evoluíram as projeções macroeconômicas para 2019 e 2020. Conforme os Relatórios Focus do Banco Central do Brasil (BCB) divulgados desde 2017, se observou que as expectativas para 2019 (ver tabela 3) melhoraram no ambiente fiscal, de inflação, no caso do IPCA, e da taxa de juros.

E pioraram em termos de crescimento econômico, da inflação (IGP-M, choque de oferta e taxa de câmbio) e dos números do setor externo. Resumindo, a economia brasileira ainda não ganhou a tração esperada, mas com as reformas econômicas já implementadas, como a reforma da previdência, a reforma trabalhista (governo Temer), regra do Teto Fiscal (também do governo Temer) a lei da liberdade econômica, e a agenda do BCB, de modernização do Sistema Financeiro, entre outras.

Desse modo, verifica-se que as medidas do governo Bolsonaro no seu primeiro ano, têm sido na direção correta, por isso a “animação” do mercado financeiro, sobretudo esperando que as reformas continuem em 2020.

2020 pode surpreender positivamente

Para 2020, as expectativas para o Brasil, são de crescimento econômico entre 2% e 3%, com inflação controlada, taxa de juros ainda baixa e dados fiscais melhores. Para o setor externo, os dados sinalizam piora, mas ainda sem expectativa de uma crise no balanço de pagamentos. Os principais riscos para a concretização são de piora na guerra comercial entre Estados Unidos e China, estouro de uma possível bolha de ativos lá fora, de uma crise ainda mais profunda nos países na América Latina, especialmente no nosso vizinho Argentina, prejudicando o setor industrial brasileiro.

No Brasil, os riscos para 2020 se dão, em especial, por crises políticas, que travem a continuidade das reformas, como a administrativa e a tributária, pelo crescimento econômico não aumentar seu patamar, da inflação ficar mais pressionada em função dos choques de oferta recentes, fazendo com o BCB tenha que aumentar a taxa de juros, inibindo investimentos e consumo.

Então, nesse ambiente descrito, para 2020 continuamos com a nossa gestão de buscar rentabilidade, com controle de riscos e com ativos de média/alta liquidez.Assim, os ativos que compõem as carteiras focam principalmente em estratégias que se beneficiem do ciclo de recuperação da atividade interna. Também entendemos que alguns papeis que se relacionem ao ambiente externo e as empresas que sejam líderes nos seus mercadose tenham excelente gestão, tendem a continuar nas carteiras.

A Carta do Gestor é produzida mensalmente pela equipe da Geral Asset.




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